Olá, ouvintes, aqui é Cecil, sua voz da escuridão, o sussurro na noite vazia, falando com você de uma cabine da estação da Rádio Comunitária de Night Vale. Estou aqui para relatar as notícias e os acontecimentos da nossa comunidade que você precisa saber, e omitir todo o conhecimento proibido e perigoso.
Agora, as notícias.
Oh, sim. Isso é previsivelmente inesperado.
Repentinamente e já aguardada, uma resenha para quem quer conhecer melhor a nossa comunidade.
Bem-vindos à Night Vale!
“Perdida no meio do deserto americano, existe uma amistosa comunidade do deserto, onde o sol é quente, a lua é linda e misteriosas luzes atravessam o céu enquanto todos fingem dormir.”
Autor: Joseph Fink & Jeffrey Cranor
Editora: Intrínseca
Páginas: 336
Classificação: 5/5 estrelas
Sabe aquela história que é incrivelmente diferente de tudo que você já leu? Há uma grande possibilidade que você me responda que não, não sabe, ou que ao menos fique na dúvida do quanto é excêntrico o primeiro nome que lhe vem a cabeça. Depois de ler “Welcome to Night Vale” tal questão nunca será pauta para que eu precise pensar muito.
ESSE. LIVRO. É. ABSURDAMENTE. LOUCO! Provavelmente o mais louco que já li.
Foi na última Turnê Intrínseca que fui conquistado pela primeira vez (turnê s2). Muitos lançamentos interessantes, mas “Welcome” foi aquele por qual minha curiosidade apitou. Baseado em um podcast idealizado por um grupo de amigos que é um dos mais ouvidos nos Estados Unidos, os cocriadores tiveram a brilhante ideia de levar toda a excentricidade de seu trabalho para a literatura, e a decisão foi mais do que certeira: eis uma obra que é de quebrar a cabeça com tanta anormalidade aos nossos olhos. É uma afronta à nossa mente já estabelecida com conceitos de realidade.
“Veja bem, a vida é estressante. Isso vale para qualquer lugar. Mas a vida em Night Vale é ainda mais. Há coisas espreitando nas sombras. Não as projeções de uma mente aflita, mas Coisas literais, espreitando, literalmente, nas sombras. Conspirações escondem-se nas vitrines de todas as lojas, sob cada viela, e pairam nos helicópteros lá em cima. Nascimentos e mortes, idas e vindas, o abismo de subjetividades e desafios entre nós e todos de quem gostamos.”
O livro cumpre dois papeis: introduzir a história de Night Vale para quem nunca ouviu o podcast, ao mesmo tempo que desenvolver uma história principal inédita, idealizada exclusivamente para essa obra. O que vocês precisam saber sobre Night Vale é que “ela é uma cidade como qualquer outra, ao mesmo tempo que não há outra igual”, como diria Cecil Palmer, o radialista da comunidade, que tudo parece ver. Assim como no formato original, Cecil informa a todos as pequenas estranhezas dessa pacata cidadezinha – onde fantasmas, anjos, alienígenas e agências governamentais misteriosas e ameaçadoras fazem parte do cotidiano dos cidadãos.
Para a trama original, acompanhamos a história de Jackie Fierro e Diane Crayton, duas mulheres “normais” para os padrões dos moradores de Night Vale (seja lá quais forem esses padrões). Ambas têm suas vidas cruzadas e conturbadas com a chegada de um homem de paletó bege. Para Jackie, o estranho homem entrega um papel com duas palavras escritas à mão: King City. Após ele sumir repentinamente, a mulher não consegue mais lembrar do rosto do indivíduo e de forma alguma se livrar do papel, que não importa o que ela faça, sempre acaba voltando para sua mão. Já Diane tem que lidar com seu filho, Josh, um peculiar metamorfo que busca conhecer o pai qual ele nunca teve contato, o que a deixa transtornada, pois Troy, pai do menino, começa a aparecer em todos os lugares onde ela está. Em meio a tudo isso existem camadas e camadas de mistérios e segredos a serem solucionados, entrelaçados de forma surpreendente.
A narrativa do livro é compartilhada entre acompanhar Jackie e Diane em sua jornada e interlúdios da “voz de Night Vale”, Cecil. Esse último, aliás, traz um ar de normalidade ao relatar as mais inusitadas notícias, como o crime de se acreditar em anjos e montanhas, ou o caso de uma empresa que vende estátuas de jardim que na verdade são metralhadoras giratórias, entre tantas outras. Surreal. Cecil também tem um namorado, o cientista Carlos, um dos pouquíssimos moradores que vieram de “fora” (o que seria nossa realidade) e nos dá uma ligação de que existe um mundo “normal” além da cidade, embora ele mesmo seja bem excêntrico.
O enredo foi idealizado de tal forma que esbanja criatividade. São coisas tão nonsenses que ao mesmo tempo parecem tão coesas por todo o lado que foram me conquistando desde a primeira página. Tudo na medida certa para que o desenvolvimento não fosse desacreditado pela excessiva fuga da realidade. Quem já assistiu Twin Peaks ou ao menos tentou, pode ter uma ideia da atmosfera qual estou mencionando. É sem igual! Falando das personagens, fiquei encantado com cada um dos apresentados. Personagens devem ser complexos, amados e odiados, e tanto os protagonistas quanto os secundários nos passa tais sentimentos o tempo todo. Em diversas vezes me contorci de raiva de Diane, embora a ame. Sensações tão contrastantes e conflituosas como as as situações surreais que se passam na história.
“Nada naquela cidade fazia sentido. Nada em lugar algum faz sentido, pensou ela, mas a diferença entre a esquisitice reconfortante de casa e a esquisitice e estranheza de King City fazia com que sentisse profundamente os quilômetros que separavam as duas cidades e o tempo que tinha se passado desde que se sentira confortável em algum lugar.”
Welcome to Night Vale é um livro por qual muito aguardei e que valeu a leitura de cada página. Há outros dois livros derivados do podcast, mas que são independentes entre si, inclusive dessa qual a Intrínseca acaba de publicar, então leia sem se preocupar, e aproveite esse vasto universo criativo modelado em uma cidade com moradores tão marcantes e complexo como os da vida real, com uma dose extra de excentricidades na bagagem.
Curiosidades:
- Welcome to Night Vale, o livro, foi elogiado por autores como Ransom Riggs, de O Lar da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares, e John Green, de a Culpa É Das Estrelas.
- Como citado na resenha, o livro é baseado em um podcast muito popular. Para quem não sabe inglês e tem curiosidade de conhecer, há fãs no youtube que legendam os programas com uma certa frequência. Sinta o gostinho vendo o vídeo do primeiro episódio com legendas:
https://youtu.be/rmfpjCxhyEQ
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