Atenção, Shadowhunters! A autora Cassandra Clare divulgou uma cena extra contida na trilogia As Peças Infernais. Ela publicou faz um tempo, mas nunca foi traduzido para o português. porém uma fã decidiu fazer esse serviço.
A cena traduzida é do capítulo 9 (Meia-noite feroz), pelo ponto de vista do personagem Jem, do livro Príncipe Mecânico. A trama no livro é narrada por Tessa, portanto, há novas informações dadas pelo ponto de vista narrada por outro personagem.
A cena é o beijo de Tessa e Jem sob o ponto de vista do protagonista. Contém spoilers da trilogia!
UMA OFERTA DE LUAR
A primeira coisa que Jem fez no momento que entrou em seu quarto foi ir direto até a caixa de yin fen em sua mesa de cabeceira.
Ele normalmente colocava a droga em uma solução de água, deixando dissolver e depois bebia, mas ele estava muito impaciente agora; ele pegou um pouco entre o indicador e o dedão e chupou a droga diretamente de seus dedos. Tinha gosto de açúcar queimado e deixou o interior de sua boca dormente. Ele fechou a caixa com força, com um sentimento de satisfação sombrio.
A segunda coisa que ele fez foi pegar seu violino.
A névoa estava densa contra as janelas, como se elas tivessem sido pintadas com chumbo. Se não fosse pelas tochas de luz enfeitiçada queimando fracamente, não haveria iluminação suficiente para ele ver o que ele estava fazendo enquanto ele abria a caixa que guardava seu Guarneri e pegava o instrumento de dentro dela. Um fragmento de uma das músicas de Bridget tocou em sua cabeça: Estava escuro, uma noite escura, não havia luz das estrelas, e eles atravessaram por sangue até os joelhos.
Escuro, uma noite escura de fato. O céu estava preto como piche em Whitechapel. Jem pensou em Will, parado na calçada, olhos perdidos e sorrindo ironicamente. Até que Jem o acertou. Ele nunca havia batido em Will antes, não importa o quão louco seu parabatai estivera. Não importava o quão destrutivo ele estivesse com outras pessoas, não importava sua crueldade casual, não importava seu humor que era como a ponta de uma faca, Jem nunca havia batido nele. Até agora.
O arco já estava resinado, ele flexionou os dedos antes de pegá-lo e respirou fundo diversas vezes. Ele já podia sentir o yin fen surgindo por suas veias, acendendo seu sangue como fogo acendendo a pólvora. Ele pensou em Will novamente, dormindo na cama no covil do ópio. Ele estava corado, seu rosto suave e inocente durante o sono, como uma criança com a bochecha apoiada na mão como um travesseiro. Jem se lembrava de quando Will era jovem assim, apesar de nunca se lembrar de um tempo em que ele fosse inocente.
Ele posicionou o arco nas cordas e tocou. Tocou suavemente no início. Ele tocou Will perdido em sonhos, encontrando consolo na névoa das drogas que abafava seu sofrimento. Jem só poderia invejá-lo por isso. O yin fen não era um bálsamo: ele não encontrava nele o que quer que os viciados em ópio encontravam em seus cachimbos ou alcoólatras encontravam no fim de suas garrafas de gim. Havia apenas exaustão e falta de energia sem ele e, com ele, energia e febre. Mas não havia fim para o sofrimento.
Os joelhos de Jem cederam e ele afundou até o baú que ficava no pé de sua cama, ainda tocando. Ele tocou Will suspirando o nome Cecily, e ele tocou ele mesmo vendo o brilho de seu próprio anel nas mãos de Tessa no trem de York, sabendo que tudo era uma piada, sabendo também que ele queria que não fosse. Ele tocou o sofrimento nos olhos de Tessa, quando ela foi até a sala de música depois que Will disse a ela que ela nunca teria filhos. Imperdoável isso, que coisa a se fazer, e ainda assim Jem o perdoou. Amor era perdão, ele sempre acreditou nisso, e as coisas que Will fazia, ele fazia de algum poço sem fundo de dor. Jem não sabia a fonte dessa dor, mas sabia que existia e que era real, sabia disso como sabia da inevitabilidade de sua própria morte, sabia disso assim como sabia que ele tinha se apaixonado por Tessa Gray e que não havia nada que ele, ou ninguém, pudesse fazer quanto a isso.
Ele tocava isso agora, tocava todos os seus corações partidos e o som do violino o encobriu e o elevou e ele fechou os olhos –
A porta dele se abriu. Ele ouviu o som por entre a música, mas por um momento não deu confiança, foi a voz de Tessa que ele ouviu, dizendo seu nome. “Jem?”
Claro que isso era um sonho, conjurado pela música e pela droga e por sua própria mente febril. Ele continuou tocando, tocou sua própria fúria e raiva de Will, porque apesar de poder perdoar Will por sua crueldade com os outros, ele nunca poderia perdoa-lo por colocar-se em perigo.
“Jem!” chamou a voz de Tessa novamente e de repente havia mãos nas dele, tirando o arco de seu punho. Ele soltou em choque, encarando-a. “Jem, pare! Seu violino – seu adorável violino – você vai estragá-lo.”
Ela ficou em pé frente à ele, um robe jogado por cima de sua camisola. Ele se lembrava daquela camisola: ela estava usando-a na primeira vez que ele a viu, quando ela foi até seu quarto e ele pensou por um momento que ela fosse um anjo. Ela estava respirando rapidamente agora, seu rosto corado, seu violino preso à uma mão e o arco em outra.
“O que isso importa?” ele perguntou. “O que qualquer coisa dessas importa? Eu estou morrendo – Eu não ultrapassarei essa década, o que importa se o violino for antes de mim?” Ela olhou para ele com os olhos arregalados, seus lábios separados em espanto. Ele ficou de pé e virou de costas pra ela. Ele não podia mais suportar olhar para o rosto dela, ver o desapontamento com ele, com sua fraqueza. “Você sabe que é verdade.”
“Nada está decidido.” A voz dela estremeceu. “Nada é inevitável. Uma cura –“
“Não existe cura. Eu vou morrer e você sabe disso, Tess. Provavelmente dentro do próximo ano. Eu estou morrendo e eu não tenho família nesse mundo, e a única pessoa na qual eu mais confiei nesse mundo brinca com aquilo que está me matando.”
“Mas Jem, eu não acho que foi isso que Will quis fazer de forma alguma.” Ela tinha colocado de lado seu violino e arco e estava se movendo em direção a ele. “Ele só estava tentando escapar – ele estava fugindo de algo, algo sombrio e terrível, você sabe que ele estava, Jem. Você viu como ele ficou depois – depois de Cecily.”
“Ele sabe o que isso significa pra mim,” ele disse. Ela estava logo atrás dele: ele podia sentir o leve perfume de sua pele: água de violeta e sabão. A urgência de virar e tocá-la era irresistível, mas ele se segurou firme. “Vê-lo até mesmo brincando com o que destruiu minha vida –“
“Mas ele não estava pensando em você –“
“Eu sei disso.” Como ele poderia dizer isso? Como ele poderia explicar? Como ele poderia dizer a ela que Will foi o que ele devotou sua vida: a reabilitação de Will, a bondade inata de Will. Will era o espelho quebrado de sua própria alma que ele passou anos tentando consertar. Ele poderia perdoar Will machucando qualquer um menos ele mesmo. “Eu digo a mim mesmo que ele é melhor do que ele deixa transparecer, mas Tessa, e se ele não for? Eu sempre pensei que se eu não tivesse nada, pelo menos eu tinha Will – se eu não tivesse feito nada que fizesse minha vida importar, pelo menos eu sempre estive ali pra ele – mas talvez eu não devesse.”
“Oh, Jem.” A voz dela era tão suave que ele virou. Seu cabelo escuro estava se desfazendo: caía em torno de seu rosto e ele teve o mais absurdo impulso de enterrar as mãos neles, trazê-la pra perto, suas mãos envolvendo as costas do pescoço dela. Ela estendeu uma mão macia pra ele e por um momento, esperança selvagem tomou conta dele, imparável como as ondas – mas ela apenas a colocou contra sua testa, cuidadosa como uma enfermeira. “Você está queimando. Deveria estar descansando –“
Ele se afastou rapidamente dela, antes que não pudesse parar. Os olhos cinzas dela se arregalaram. “Jem, o que foi isso? Você não quer que eu o toque?”
“Não dessa forma.” As palavras saíram antes que ele pudesse se controlar. A noite, Will, a música, o yin fen, tudo destrancou algo nele – ele mal reconhecia seu próprio eu, esse estranho que falou a verdade, e a falou severamente.
“Dessa forma como?” A confusão estava estampada no rosto dela. A pulsação dela estava visível na lateral de sua garganta; onde sua camisola estava aberta ele podia ver a curva suave de sua clavícula. Ele afundou os dedos nas palmas das mãos. Ele não podia mais retirar as palavras. Era nadar ou se afogar.
“Como se você fosse uma enfermeira e eu seu paciente,” ele disse à ela. “Você acha que eu não sei que quando você pega minha mão é apenas para que possa sentir meu pulso? Você acha que eu não sei que quando você me olha nos olhos é apenas para checar o quanto de droga eu tomei? Se eu fosse um outro homem, um homem normal, eu poderia ter esperanças, presunções até; eu poderia – “ Eu poderia querer você. Ele se calou antes de dizer isso. Isso não poderia ser dito. Palavras de amor eram uma coisa, palavras de desejo eram perigosas como uma encosta rochosa onde um navio poderia naufragar. Não havia esperança, ele sabia que não havia esperança, e ainda assim –
Ela balançou a cabeça. “Essa é a febre falando, não você.”
Nenhuma esperança. O desespero o cortou como uma faca cega e ele disse as próximas palavras sem pensar: “Você nem pode acreditar que eu poderia querer você. Que eu estou vivo o suficiente, saudável o suficiente –“
“Não –“ Ela pegou no braço dele e foi como ter 5 marcas de fogo por sobre sua pele. Desejo passou por ele como dor. “James, isso definitivamente não foi o que eu quis dizer –“
Ele colocou a mão por cima da dela, onde ela segurava seu braço. Ele ouviu ela segurar o ar – forte, surpresa. Mas não horrorizada. Ela não puxou para longe. Ela não removeu a mão dele. Ela o deixou segurá-la e virá-la, para que eles ficassem cara a cara, perto o suficiente para respirar um ao outro.
“Tessa,” ele disse. Ela olhou para cima, para ele. A febre bateu nele como sangue e ele não sabia mais o que era desejo e o que era a droga ou se um simplesmente intensificou o outro, e isso não importava, não importava porque ele a queria, ele a queria há tanto tempo. Os olhos dela estavam enormes e cinzas, suas pupilas dilatadas e seus lábios estavam entreabertos em um suspiro como se ela estivesse prestes a falar, mas antes que ela pudesse falar ele a beijou.
O beijo explodiu em sua cabeça como fogos de artifício no dia de Guy Fawkes. Ele fechou os olhos em um redemoinho de cores e sensações, quase muito intensos para suportar: os lábios dela eram macios e quentes sob os dele e ele se encontrou correndo os dedos pela face dela, nas curvas de suas maçãs do rosto, na pulsação martelando em sua garganta, na pele suave da parte de trás de seu pescoço. Precisou de cada partícula de controle para que ele a tocasse gentilmente, para que não a esmagasse contra ele, e quando ela subiu os braços e os cruzou envolta de seu pescoço, suspirando em sua boca, ele teve que sufocar um suspiro e por um momento se segurar firme ou eles estariam no chão.
As próprias mãos dela nele eram gentis, mas não confundiam seu encorajamento. Os lábios dela murmuravam contra os dele, sussurrando seu nome, o corpo dela era macio e forte em seus braços. Ele seguiu o arco das costas dela com as mãos, sentindo a curva dela por debaixo de seu robe e ele não conseguiu parar a si mesmo: ele a puxou tão forte para perto dele que os dois tropeçaram e caíram de costas na cama.
Tessa se acomodou no colchão e ele se colocou por cima dela. O cabelo dela se soltou de suas tranças e se espalhou escuro e solto sobre os travesseiros. Um rubor se espalhava pelo rosto dela e descia até a gola de sua camisola, manchando sua pele pálida. A pressão quente do corpo contra corpo era atordoante, não era como nada que ele havia imaginado, mais poderoso e delicioso que a música mais delirante. Ele a beijou de novo e de novo, cada vez mais forte, saboreando a textura de seus lábios contra os dele, o gosto da boca dela, até que a intensidade disso ameaçou passar de prazer para dor.
Ele deveria parar, ele sabia. Isso tinha ido além da honra, além de qualquer limite de propriedade. Ele havia imaginado, algumas vezes, beijando-a, cuidadosamente envolvendo seu rosto entre suas mãos, mas nunca havia imaginado isso: que eles estariam envoltos tão fortemente entre si que ele mal conseguiria dizer onde ele terminava e ela começava. Que ela o beijaria e o acariciaria e correria os dedos em seus cabelos. Que quando ele exitou com os dedos no laço de seu robe, a parte sensata de seu cérebro mandando que seu corpo rebelde e teimoso parasse, que ela simplesmente resolveria o dilema desfazendo ela mesma o fecho, deitando enquanto o material caía envolta dela e olharia para ele vestindo apenas sua fina camisola.
O queixo dela estava erguido, determinação e sinceridade em seus olhos, os braços erguidos o recebendo de volta para ela, envolvendo-o, puxando-o para perto. “Jem, meu Jem,” ela sussurrou e ele sussurrou de volta, perdendo suas palavras contra a boca dela, sussurrando o que era verdade, mas que ele esperava que ela não entendesse. Ele sussurrou em chinês, preocupado que se ele falasse em inglês ele diria algo profundamente estúpido. Wo ai ni. Ni hen piao liang, Tessa. Zhe shi jie shang, wo shi zui ai ni de.
Mas ele viu os olhos dela escurecerem; ele sabia que ela lembrou que era o que ele havia dito pra ela na carruagem. “O que isso quer dizer?” ela sussurrou.
Ele pausou contra o corpo dela. “Significa que você é linda. Eu não quis te dizer antes. Eu não queria que você achasse que eu estava tomando liberdades.”
Ela o alcançou e tocou sua bochecha. Ele podia sentir seu coração batendo contra o dela. Parecia que ele poderia bater inteiramente fora de seu corpo.
“Tome-as,” ela sussurrou.
O coração dele saltou e ele a puxou para cima, contra ele, algo que ele nunca havia feito antes, mas ela não se importou com sua falta de jeito. As mãos dela estavam passeando gentilmente sobre ele, conhecendo seu corpo. Os dedos dela acariciaram os ossos de seus quadris, o topo de seu colarinho. Eles se entrelaçaram em sua camisa e puxaram-na para cima, passando por sua cabeça, e ele estava inclinado sobre ela, sacudindo o cabelo prateado para fora de seu rosto. Ele viu os olhos dela se expandirem e sentiu suas entranhas se apertarem.
“Eu sei,” ele disse olhando para baixo, para si mesmo – pele como papel machê, costelas como cordas de violino. “Eu não sou – eu digo, eu pareço –“
“Lindo,” ela disse e a palavra era uma afirmação. “Você é lindo, James Carstairs.”
A respiração se acalmou em seus pulmões e eles estavam se beijando novamente, as mãos dela quentes e suaves contra a pele nua dele. Ela o tocou com carícias hesitantes e curiosas, mapeando um corpo que parecia florescer sob seus cuidados como algo perfeito, saudável: não mais um dispositivo frágil de carne que enfraquece rapidamente, presa a uma estrutura de ossos quebráveis. Apenas agora que isso estava acontecendo que ele percebeu o quão sinceramente ele acreditava que nunca iria acontecer.
Ele podia sentir as lufadas suaves e nervosas da respiração dela contra a pele sensível de sua garganta enquanto ele passava suas mãos para cima por sobre seu corpo. Ele a tocou como tocaria seu violino: foi como ele aprendeu como tocar algo que era precioso e amado. Ele havia carregado o violino em seus braços de Xangai até Londres, e ele carregou Tessa também, em seu coração, por mais tempo do que ele podia lembrar. Quando isso aconteceu? As mãos dele tocaram-na pela camisola, a curva e a inclinação da cintura e dos quadris dela como as curvas do Guarneri, mas o violino não dava suspiros gratificantes quando ele o tocava, não procurava sua boca para beijos, ou tinha pálpebras que se fechavam quando ele tocava a pele sensível atrás de seu joelho.
Talvez tenha sido no dia em que ele subiu correndo as escadas para ela e beijou sua mão. Mizpah. Que o Senhor nos vigie, a mim e a você, quando estivermos separados um do outro. Foi a primeira vez que ele pensou que havia algo mais em seu interesse do que apenas o interesse comum por uma garota bonita que ele não poderia ter, que havia um aspecto de algo sagrado.
Os botões de pérola da camisola dela eram suaves contra os dedos dele. O corpo dela se inclinou para trás, sua garganta arqueada enquanto o material escorregava para o lado, deixando seu ombro despido. A respiração estava rápida na garganta dela, os cachos de seus cabelos castanhos presos em suas bochechas coradas e testa, o material do vestido dela esmagado entre os dois. Ele mesmo estava tremendo quando se curvou para beijar a pele nua dela, pele que provavelmente ninguém além dela mesma e talvez Sophie, tenham visto, e sua mão subiu para tocar sua cabeça, passando pelo cabelo na parte de trás de seu pescoço…
Houve um som de uma trombada. E uma névoa sufocante de yin fen encheu o quarto.
Foi como se Jem tivesse engolido fogo; ele se empurrou para trás e para longe de Tessa com tanta força que ele quase desequilibrou os dois. Tessa se sentou também, juntando a frente de seu robe, sua expressão de repente auto-consciente. Todo o calor de Jem tinha sumido, sua pele estava repentinamente congelando – com vergonha e medo por Tessa – ele nunca nem sonhou com ela estando tão perto dessa coisa venenosa que destruiu a vida dele. Mas a caixa de laca estava quebrada: uma camada grossa de pó brilhante estava espalhada pelo chão; e mesmo enquanto Jem respirou fundo para dizer-lhe que ela deveria ir, que ela deveria deixá-lo para que ficasse segura, ele não pensou na perda da preciosa droga ou no perigo para ele se ela não pudesse ser recuperada. Ele apenas pensou:
Não mais.
O yin fen tirou muito de mim: minha família, os anos da minha vida, a força em meu corpo, o ar em meus pulmões. Ele não vai tirar isso de mim também: a coisa mais preciosa que nos é dada pelo Anjo. A habilidade de amar. Eu amo Tessa Gray.
E eu me certificarei de que ela saiba disso.
Tradução: Nanda Carstairs (@geek.meow)
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